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Humanização do parto: questões étnicas e raciais em debate

 BoletIN: A recém-implantada Rede Cegonha vai dialogar com esse projeto? Se for, de que forma acontecerá? 

Dificilmente. Vamos explicar melhor…estamos pensando na redução da mortalidade materna e infantil, mas nós não desenhamos as propostas/projetos para atender as mulheres em situação de vulnerabilidade como as mulheres negras, assentadas, ribeirinhas, indígenas dentre outras. A proposta/projetos é pensado para as mulheres e não leva em consideração as especificidades intra-gênero. E neste caso, ao não considerar estas especificidades das mulheres, negras e pobres estas propostas/projetos estão fadados ao insucesso.

Vamos lhe dar alguns dados. No ano 2000 a Profa. Ignês Helena Oliva Perpétuo utilizando dados da Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde (PNDS-1996) publicou artigo no Jornal da Rede Saúde (no. 22, p. 10-16) dizendo haver diferencias na vida sexual e reprodutiva das mulheres brancas e negras. As mulheres negras iniciam a vida sexual mais cedo; tem filho aos 16 anos, 83% utilizam a pílula e a esterilização como método de regulação da fecundidade (enquanto entre as mulheres brancas este percentual é de 76%); é maior o percentual das mulheres negras que não fizeram o pré-natal. No que tange a qualidade da assistência, as mulheres referem ter maior  dificuldade de realizar seis ou mais consultas de pré-natal e realizar o pré-natal com médico. Segundo a autora (1) a pobreza pode estar condicionando o acesso das mulheres negras a atenção à saúde sexual e reprodutiva; (2) os projetos e programas de saúde sexual e reprodutiva ao não considerarem a dimensão racial em seu planejamento estão fadados ao insucesso.

Berquó  (2010) no estudo “Dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança – PNDS-2006” constatou o desfavorecimento das mulheres negras na realização de no mínimo seis consultas de pré-natal, nas consultas de puerpério no uso de métodos contraceptivos e na indesejabilidade do último filho.

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Também podemos citar a pesquisa da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo (2007), que ao analisar dados sobre mortalidade materna com perspectiva racial verificou que o risco de mortalidade materna provocada por eclampsia (pressão alta na gravidez que provoca a morte no parto, produto de um diagnóstico não adequado no exame pré-natal) é maior entre as mulheres negras, configurando-se em importante expressão de desigualdade.

 A pesquisa realizada por Leal, Gama e Cunha – realizada em 2005, constatou uma situação desfavorável persistente entre as mulheres pretas e pardas em relação às brancas, mostrando a existência de dois níveis de discriminação, a educacional e a racial, que perpassam a esfera da atenção oferecida pelos serviços de saúde à população de gestantes do Município do Rio de Janeiro. Segundo mostram as autoras, nos serviços de saúde, as mulheres se diferenciaram segundo o grau de instrução e raça/cor. No pré-natal, as mulheres negras tiveram menor acesso à atenção adequada de acordo com os padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde. No momento do parto, foram mais penalizadas por não serem aceitas na primeira maternidade que procuraram e, durante o parto, receberam menos anestesia. Essas diferenças no tratamento oferecido foram apreendidas pelas mulheres ao avaliarem a qualidade dos serviços oferecidos a elas. As autoras concluíram que essas mulheres sofrem discriminação pessoal e institucional: uma pautada na escolaridade e outra no pertencimento racial.

Penso que as políticas de atenção a saúde da mulher, feminização da Aids, Rede Cegonha, Linha de Cuidado da Gestante e da Puérpera dentre outras programas não levam em consideração as desigualdades raciais em suas formulações. Enquanto que o projeto “Humanização…” partiu da premissa que (1) o racismo é um dos determinantes das condições de saúde; (2) que as desigualdades raciais estão presentes em nossa sociedade e elas estão relacionadas as piores condições de vida das mulheres negras, que elas impactam no acesso e na qualidade da atenção ofertada nos serviços de saúde a estas mulheres, e que (3) parece existir um abismo que separa as mulheres negras da posição que embora ainda precária em muitos sentidos – já foi alcançada pela população branca. As iniqüidades apontadas pelos estudos não são consideradas pelas gestoras/gestores de programas e projetos no campo da saúde da mulher – seja no projeto da “Rede Cegonha” ou na “Linha de Cuidado a Gestante e a Puérpera”. Por outro lado “Não se faz erradicação da pobreza se não levar em consideração a questão racial”, com isso estamos dizendo que o ao não considerarem as especificidades de no mínimo metade das mulheres, o projeto/programa dificilmente terão sucesso. Esse é um desafio para a Rede Cegonha, como também é um desafio para os Objetivos do Milênio, nós não vamos atingir as metas 4 e 5 dos Objetivos do Milênio se não trabalharmos programas e políticas focais – políticas, programas e estratégias direcionados para os grupos socialmente vulneráveis.

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