Notícia

Humanização do parto: questões étnicas e raciais em debate

 BoletIN: Nas suas opiniões, qual a importância da pesquisa para diagnóstico e sensibilização dos profissionais e usuários do HGSM para a questão do gênero e cor/raça?

MariaLuciaDaSilvaPAI NÃO É VISITA – no que tange as desigualdades de gênero – queríamos discutir as questões de gênero e a gente discutiu, todavia nós não percebemos que ao pautar o tema, o serviço/hospital teria que se repensar, ele teria que se re-estruturar. Só no final do projeto é que fomos perceber que se antes existia “O cantinho da mamãe” – que era uma sala ou local de amamentação, com a inserção da temática da paternidade o local passou a ser “Recanto da Mamãe e do Papai”.

Ao incluir o tema das masculinidades nas oficinas as/os profissionais de saúde passam a pensar no pai em todo o processo. O pai passa a ser objeto das orientações nas consultas, inclusive na orientação sobre o aleitamento materno; o hospital passou a ter homens como acompanhantes; homens na sala de parto – vale destacar que na sala de parto o pai é convidado a cortar o cordão umbilical de seu filho; a receber a criança; a levar para pesar ou seja a pediatra divide o acolhimento desta criança com o pai, ou seja mudou o olhar da equipe sobre a inclusão do pai na hora do nascimento. Esse foi um dos resultados não esperados.

Agora, a dificuldade que se coloca é… se na maternidade – na assistência ao parto nos temos suítes individualizadas e é o pai quem corta o cordão umbilical, porque depois dele participar desta etapa nos mandamos o pai embora? Com isso estamos dizendo que ao incluir o pai, a maternidade/enfermagem agora tem que conviver com o acompanhante e o hospital tem que comprar cadeira para este acompanhante; a mãe que também está no mesmo quarto reclama que o companheiro dela não veio; ou reclama que tem um homem no quarto. Toda a intimidade é alterada com a presença deste pai. A solução encontrada foi o hospital comprar divisórias/biobombos. Em resumo, se estamos falando de humanização, em acolhimento desta nova pessoa que esta chegando, e em melhorar a relação da família com esta criança recém nascida, há de haver um compromisso com a qualificação da ambiência, melhorando o atendimento à família. Concluindo, não dá para se construir hospitais públicos e maternidades com enfermaria de quatro leitos. Se não podemos ter hospitais públicos com apartamentos então… que se criem maternidades com enfermarias de no máximo dois leitos com divisória no meio para assim acolher o acompanhante.

A Lei diz que toda pessoa que esta internada tem direito a um acompanhante, mas há uma disjunção entre o discurso e a prática/concreto, o projeto explicitou o problema e o hospital respondeu a esta necessidade. Esse foi um ganho não esperada do projeto.

    O QUESITO COR – Depois de discutirmos o tema masculinidades, a etapa seguinte foi discutir questões étnico/raciais. Vale salientar que como os profissionais começaram a ficar incomodados, com os dados epidemiológicos segundo raça/cor – ficavam questionando as taxas e o perfil da morbi-mortalidade segundo cor, a maior mortalidade materna das mulheres negras, etc… – a diretora do hospital Dra. Maridite, propôs iniciarmos a coleta do quesito cor para dar concretude as questões/dúvidas dos profissionais – e assim passamos para a concretude do trabalho, para uma coisa mais concreta, a “implantação da coleta do quesito cor nos sistemas de informação do hospital”. E ai o projeto ganhou em qualidade, pois os profissionais começaram a conviver/vivenciar os conflitos com os usuários; a ver onde alguns colegas guardam seu racismo, existiram inclusive cartas anônimas de denuncia de racismo isso provocou um movimento interno, as resistências internas começaram a dialogar com os dados epidemiológicos. Enfim,  trazer o debate para dentro do hospital trouxe os preconceitos e processos discriminatórios vivenciados pelos profissionais do hospital – o interpessoal, tirou da clandestinidade um problema real e neste caso os dados epidemiológicos chocantes começaram a dialogar (1) com o desconforto vivenciado pela instituição; (2) com as resistências internas das pessoas; (3) com os preconceitos. Enfim, as experiências de racismo e os indicadores passaram a fazer sentido para aqueles que estavam envolvidos no projeto.

A etapa do projeto inclusão do quesito cor no sistema de informação do hospital geral de São Mateus também nos mostrou a necessidade de pactuar na Comissão Intergestores Bipartite a inclusão do quesito cor nos Sistema de Informação da Autorização de Internação Hospitalar/AIH e no SAI, posteriormente esta solicitação foi encaminhar e aprovada na Comissão Intergestores Tripartite em 16 de agosto de 2007. Essa iniciativa, somada a outras solicitações do movimento social, fez com que no final do ano o Ministro da Saúde assinasse a Resolução que inclui o quesito cor no Sistema de Informação Ambulatorial e Hospitalar (SIA/SIH/SUS) – Portaria 719 de 28 de dezembro de 2007. A discussão sobre racismo e saúde/impacto do racismo na saúde ocorridas enquanto se implantava o quesito cor nos sistemas de informação provocou mudanças nas pessoas, existiram mudanças claras de postura.

Hoje, podemos dizer que o tema racismo institucional está pautado no Hospital Geral de São Mateus, mas faltou levar adiante a discussão do racismo institucional, precisamos retomar este tema como se fosse uma atualização ou uma avaliação do processo.

Bem, os projeto “Humanização…. trouxe resultados significativos porque é uma experiência prática e concreta de como trabalhar os temas mortalidade materna e a questão racial; desigualdades raciais em saúde e o impacto do racismo na saúde com profissionais que estão na atenção. Mesmo que o projeto não seja replicado/implantado nos outros 60 hospitais da administração direta, a experiência evidenciou que é possível discutir a temática racial na atenção a saúde, e isso envolveu os profissionais de saúde do hospital, das unidades básicas de saúde que tem o hospital como referência e a própria coordenação regional de saúde de São Mateus.

Atualmente quando convidados a apresentar os resultados do projeto em outro hospital é notório que é necessário haver um esclarecimento dos serviços sobre a importância do preenchimento do quesito cor nos Sistema de Nascidos Vivos – SINASC. A necessidade de preencher o quesito cor no SINASC não faz parte da realidade nas maternidades. As pessoas não sabem a importância disso…

Dra. Maridite Oliveira: Fui a um hospital recentemente em que eles não sabiam da metodologia da coleta do quesito cor no SINASC. “Ninguém falou isso pra gente até agora”. Ou seja o DATASUS, precisa elaborar e distribuir um manual para informar os serviços. A experiência mostrou essa necessidade.

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