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Sobre a aprovação do novo Código Florestal

rosilveiraA aprovação do texto do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados e o seu não debate na sociedade foi mais um episódio que permite um olhar crítico para o atual contexto político de nosso país. O projeto que estava há dois anos tramitando na Câmara é aprovado com ampla maioria (apenas 63 deputados votaram contra), com o aval do governo e os defensores repousaram seu legítimo discurso em um “amplo debate na sociedade”. Artigo do pesquisador do Lappis Rodrigo Silveira, Médico de Família e Comunidade e Professor da Universidade Federal do Acre (UFAC).

 A aprovação do texto do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados e o seu não debate na sociedade foi mais um episódio que permite um olhar crítico para o atual contexto político de nosso país. O projeto que estava há dois anos tramitando na Câmara é aprovado com ampla maioria (apenas 63 deputados votaram contra), com o aval do governo e os defensores repousaram seu legítimo discurso em um “amplo debate na sociedade”.

O que observei nos últimos dois anos como cidadão foi uma disputa interna no governo Lula entre os discursos desenvolvimentista e ambientalista, culminando com a saída da Ministra Marina Silva. Esta, ao entrar num processo eleitoral marcado pela hegemonia de posições que consideram menor a questão ambiental, “perturbou” a disputa ao angariar expressiva quantidade de votos dos descontentes. Na grande mídia, continuaram figurando as costumeiras matérias-denúncia sobre o desmatamento ilegal da Amazônia, sem nenhuma menção ao “amplo debate” sobre o Código Florestal. E finalmente, já nas proximidades do embrolho de sua votação, uma enxurrada de mensagens e e-mails de ambientalistas e simpatizantes chamando a atenção para o acontecimento.

A questão ambiental ultimamente tem sido muito debatida no mundo. Os dados científicos atuais alertam para um futuro incerto, fruto da ação predatória do homem sobre a terra, agudizada no período pós-industrial. A preocupação aumenta com as mudanças climáticas observadas e as recentes catástrofes sempre associadas pela imprensa a esses efeitos. Os olhares se voltam então para a preservação ambiental e redução da emissão de gás carbônico como medidas emergenciais numa tentativa de reverter essa situação. Enfim, para o mundo ser ambientalmente correto é moda. O Brasil e a Amazônia começam então a se tornar importantes no cenário mundial. Mas não só por isso…

É notória hoje a posição do Brasil no cenário econômico global. Apesar de ainda conviver com diversos problemas, fruto das imensas desigualdades sociais e de uma cultura de corrupção, é inegável o avanço na diminuição da pobreza e do desemprego, e da estabilização de uma economia forte e competitiva. Em razão de seu recente desenvolvimento, o Brasil é tratado como um país emergente e muitos já o tratam como país do futuro. Isso combinado com Copa do Mundo e Olimpíada só nos leva a crer que somos a “bola da vez”.  

A relação entre os fatos levantados trazem a primeira grande questão que essa discussão sobre a aprovação do novo Código Ambiental evidencia: o impasse a ser enfrentado pelo atual governo entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental. Haja vista a posição da atual presidenta na queda de braços com a ex-ministra no governo anterior e a orientação da bancada governista pela aprovação no texto de Aldo Rebelo, a balança está pendendo para o lado do desenvolvimento a qualquer custo.

O texto do Deputado flexibiliza claramente o Código, ou seja, retrocede em relação à defesa do meio ambiente. Isso é representado por um ponto em especial no texto, a permissão de cultivos de produtos como maça e café em alguns locais considerados Áreas de Proteção Permanente (APP), como topos de morros e encostas, e por outros pontos que ainda considero controversos, como a redução da recomposição de mata nas margens dos rios, de 30 para 15 metros, na isenção da recomposição de reserva legal em propriedades consideradas pequenas (até quatro módulos fiscais – 1 módulo = 40 a 100 hectares) e na soma da reserva legal com as APPs na definição de percentuais de reserva legal. Considero esses pontos controversos, pois ainda não tenho clareza a quem tais mudanças beneficia. Seria o morador de região ribeirinha com seu roçado, o criador de gado em “pequenas” fazendas na Amazônia ou empresas particulares que desmatam e exploram o ambiente poluindo o solo e os rios? Receio que precisamos de um debate “ainda mais amplo” para ficar claro que posições estão em jogo.

Bom, só por aí já mereceria uma atenção maior por parte da sociedade ao novo texto, mas ainda tenho que pontuar o maior dos absurdos desse processo e que suscita a segunda grande questão a ser analisada após esse episódio: a emenda 164, de autoria do PMDB, aprovada com uma maioria um pouco mais apertada (273 a favor e 182 votos contra). Esse ponto afirma que os produtores rurais que desmataram até 2008 teriam as suas multas anistiadas se aderirem ao Plano de Regularização Ambiental (PRA) e a definição sobre o que poderia ser cultivado nas APPs seria feita em âmbito Estadual. Ora, em meu Estado, o Acre, tenho certeza que as regras seriam mais rígidas pois a grande marca dos governos recentes foi a defesa da floresta. Mas o que dizer de Estados com uma grande cultura ruralista? Até que provem o contrário, isso significa para mim a anistia daqueles que são endividados por desmatamento. E, pasmem, o prazo para esses recuperarem a área desmatada vence em junho de 2011. Tem que correr mesmo! Essa, a meu ver, é uma daquelas manobras políticas podres que alguns de nossos deputados se orgulham da habilidade de fazê-las.

A segunda grande questão a que me refiro é o fato, já conhecido, mas pouco explicitado ou debatido, de que a modalidade de democracia representativa no Brasil é loteada por interesses corporativos, que em grande parte não têm relação com a opinião pública sobre os assuntos tratados. Grande parte dos deputados são representantes desses interesses e não das nossas posições, e decidem, à nossa revelia, o futuro do país e da sociedade. Ou seja, o espaço público da política no Brasil é ocupado por interesses particulares, pois a meu ver essas corporações não fazem parte do âmbito público e, sim, da vida privada.

Nossa posição, agora como agentes políticos, é participar dos múltiplos espaços públicos que ainda nos restam, e hoje com a internet temos opções alternativas à grande mídia, para tentar reverter essa situação do novo Código Florestal e voltarmos os nossos olhares para as grandes questões que essa e outras discussões anteriores têm evidenciado na condução dos rumos do nosso país.

Rodrigo Silveira
Médico de Família e Comunidade
Professor da Universidade Federal do Acre  

Leia mais: Novo Código Florestal: E a saúde com isso?

 

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