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Manifesto pelo descaso na Saúde Pública do país – Por Solange Cirico

s_ciricoLeia o artigo de Solange Cirico, ex-Secretária de Saúde em Teresópolis, administradora com curso de Extensão em Gestão Hospitalar e Sistemas Locais de Saúde, sobre a relação entre a falta de humanização e acolhimento nos hospitais com os processos de trabalho e remuneração no setor. Cirico atua há 36 anos como funcionária pública, trabalhando em vários setores, especialmente ligados ao Planejamento.

 

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Assistimos, no último domingo (28/08), mais uma matéria no Fantástico sobre o caos na saúde pública do país. Gestantes perdendo seus esperados e desejados bebês na hora do parto por falta de humanização e acolhimento nos hospitais.

Uso as palavras “humanização” e “acolhimento” porque são estas usadas – e muito – nos discursos políticos e nas políticas públicas para que uma grávida tenha, por direito, um pré-natal de qualidade. Assistimos, mais uma vez, a busca pelos “culpados” pelos fatos e para mostrar que “medidas foram tomadas”: as gerências foram afastadas de seus cargos como se isso resolvesse o problema.

Mas o problema não está nas gerências, nas recepções superlotadas, no atendimento áspero da recepcionista que está de plantão há mais de 24 horas, nem nos médicos que não podem fazer de seus dias 48 horas para dar conta de todo o serviço. O problema está no salário indigno pago aos profissionais, que precisam fazer mais horas extras para pagar suas contas no fim do mês; na falta de profissionais qualificados, porque a política de educação permanente não atinge seus objetivos enquanto tratar de interesses pessoais e de grandes faculdades, capazes de apresentar lindos projetos de capacitações,  mas que não colocam em prática porque são incapazes de garantir, por si só,  o vínculo dos profissionais nas comunidades mais sofridas.

O Brasil assinou o protocolo de Kioto, mas o que fez efetivamente para a redução de gases poluentes? Assinou o protocolo com a OMS assumindo as chamadas metas do milênio: redução de mortalidade infantil e materna são algumas delas. Como dever de casa, definiu políticas, muito bem elaboradas e publicadas, onde todos os gestores de saúde tomaram ciência de suas obrigações…mas onde estão as condições para viabilizar tudo isso?

 De que adianta publicar e definir metas se os leitos dos hospitais contratados estão fechando a cada dia por falta de financiamento adequado? Se não há investimentos importantes em hospitais públicos, que são sucateados exatamente para dar lugar ao privado, como lidar com as terceirizações com a justificativa de que a máquina pública é muito cara?

De que adianta ter no papel o compromisso assinado de reduzir a mortalidade infantil com um pré natal de baixa qualidade porque os profissionais precisam correr de emprego em emprego? (lembram? também foi matéria do Fantástico os cadastros do CNES e logo após saiu portaria obrigando a atualização periódica dos dados – o que muda com isso?). O que vai acontecer é que eles precisam mesmo trabalhar em vários lugares para garantir uma vida digna a sua família e vão aceitar trabalhar sem garantias trabalhistas para não aparecer nos cadastros oficiais…

Se, mesmo assim, ainda faltam médicos na rede pública porque os salários são baixos demais para fixar aqueles que ainda têm vontade de fazer a coisa certa…se os municípios já aplicam muito mais de 15% de seus orçamentos na saúde e mesmo assim o caos só aumenta? Ficou esquecida a herança que eles (os municípios) receberam dos contratos terceirizados do antigo INAMPS – os prédios sucateados, uma rede quase toda privada, uma cobertura baixíssima e pequena na atenção primária. Os profissionais federais e estaduais, que agora já estão se aposentando, e que os municípios NÃO CONSEGUIRÃO REPOR com os salários ridículos que hoje pagam a um profissional que apostou numa carreira onde, muitas vezes, a família investiu tudo o que tinha apostando num futuro, no mínimo, digno para seus filhos.

Aos senhores legisladores e executores: chega de punir quem não tem culpa da falta de planejamento adequado que a cada dia aumenta no país, chega de crucificar um Cristo apenas para dar uma falsa sensação de punição à população que, na verdade, continuará morrendo e perdendo seus filhos nas filas intermináveis das Unidades de Saúde. Parem com a falácia de que “há dinheiro”, pois sabem que apenas 10% a 40% são realmente investidos na solução dos problemas nas bases municipais, onde tudo aparece como os grandes pecados, onde estão os executivos sem nenhum preparo para governar e que são literalmente engolidos pelos lobistas e pelos políticos de “boas intenções” dos altos escalões dos partidos.

 Os grandes comandos executivos, legisladores e partidos políticos precisam começar a pensar realmente no que é bom para o povo antes de ser bom para seus bolsos! Mulheres e crianças estão morrendo, pedindo socorro, a tuberculose e a hanseníase estão longe de ser eliminadas, o sarampo está aí, mostrando que pode voltar a qualquer momento, e a dengue continua fazendo vítimas!Precisamos parar e pensar o que fazer, antes que todos nós percamos a esperança e a confiança que depositamos nas urnas de que estamos fazendo nossa obrigação de cidadão e a diferença para as mudanças. Só depende de vocês: não busquem mais culpados que são humilhados e penalizados por um sistema que eles não são os verdadeiros responsáveis!

Quem são vocês pra falar em HUMANIZAÇÃO e ACOLHIMENTO da rede pública de saúde com as condições atuais de trabalho e de sobrevivência que vemos nas unidades e para os profissionais da rede pública?

Por Solange Cirico

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