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Lançamento de relatório de pesquisa discute o campo da sexologia no Brasil

DSC00070Com o objetivo de mapear o campo profissional da sexologia em seis países da América Latina – Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México e Peru – numa perspectiva comparativa, a pesquisa Sexualidade, Ciência e Profissão na América Latina é fruto de uma parceria entre o CLAM (Centro Latino Americano de Sexualidade/IMS/UERJ) e o Inserm (Instituto Nacional de Saúde e da Pesquisa Médica), da França. O estudo foi inspirado em pesquisa similar empreendida pelo psicossociólogo Alain Giami, do instituto francês, em seis países europeus – Inglaterra, Itália, Dinamarca, Suécia, Finlândia e Noruega, entre 2003 e 2005. O primeiro volume da pesquisa latino-americana foi lançado no dia 13 de maio e apresenta o trabalho da equipe brasileira, coordenada pelas pesquisadoras Jane Russo (IMS/UERJ) e Fabíola Rohden (UFRGS) e composta por Livi Faro, Igor Torres e Marina Nucci.

Nessa data, o auditório do Instituto de Medicina Social da UERJ foi o palco de uma mesa redonda sobre os resultados impressos na publicação. O debate foi composto por Jane Russo (CLAM/IMS/UERJ) e Fabíola Rohden (UFRGS) e coordenado pelo antropólogo Sérgio Carrara (CLAM/IMS/UERJ). “Da sexologia clínica à medicina sexual” foi o recorte da pesquisa apresentado por Jane Russo. A exposição apresentou a etapa brasileira: a formação do campo no país começa no final dos anos de 1970, sendo a ginecologia e a psiquiatria/psicologia as vertentes mais fortes nesta constituição. No final dos anos 1980, entram no campo os urologistas.

“Eles entram com outro olhar e um novo viés, mais biomédico e ligado à indústria farmacêutica, com o advento dos remédios para a disfunção erétil, como o Viagra. Um dado interessante é que, enquanto a sexologia clínica dos ginecologistas tinha mais força no Rio de Janeiro, durante as décadas de 70 e 80, os urologistas ligados à medicina sexual – essa força mais recente ligada aos laboratórios – são, sobretudo, paulistas. E mais de 90% destes urologistas são homens, ou seja, observa-se que a sexologia no Brasil começa composta por uma maioria de mulheres e vai se masculinizando e se biomedicinizando com o passar dos anos”, relata a pesquisadora.

Biomedicina versus Direitos sexuais

Ao contextualizar a pesquisa no âmbito mundial, Jane Russo ressaltou, entretanto, que a categoria dos urologistas e a especialidade medicina sexual ganham força no Brasil no contexto de um processo mundial, anterior ao surgimento dos remédios para disfunção erétil. A primeira instituição precursora da medicina sexual – chamada International Society for Impotence Research – trouxe para o Brasil um congresso internacional sobre impotência, realizado em 1990 em São Paulo pela recém-criada Associação Brasileira de Estudos sobre a Impotência (ABEI).

Mais tarde, com a mudança na nomenclatura de “estudos sobre a impotência” para “medicina sexual”, com o intuito de incluir as mulheres, a ABEI vira ABEIS (Associação Brasileira de Estudos das Inadequações Sexuais). “Porque se percebeu que, nos estudos sobre impotência, 50% dos seres humanos estavam de fora. Ela primeiramente se transforma em uma especialidade masculina, e depois se percebe que isso vai restringir a clientela do campo. Nesse prisma, a medicina sexual atual não encontra um sujeito de direitos/ vítima de preconceito por quem lutar, como no movimento feminista ou LGBT. O enfoque é puramente biomédico”, conclui. O coordenador da mesa Sérgio Carrara intervém e reitera a pesquisadora: “É obrigação do campo da Saúde Coletiva pensar nessa ausência de crítica. O desenvolvimento biomédico deve acompanhar as discussões dos Direitos sexuais”.

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A apresentação da pesquisadora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Fabíola Rohden, se propôs a localizar historicamente a configuração das disfunções sexuais e a medicalização da sexualidade. “Há, na verdade, uma escassez de trabalhos na área e na articulação com os direitos sexuais. A criação da categoria de disfunções congrega um jogo de interesses da mídia, público, pesquisadores e indústria farmacêutica – que cria uma maior clientela – todos podem ser potencialmente ‘disfuncionais’”, informa. “Com a ideia de que o bom desempenho sexual é obrigatório para a vida toda e que o sexo é uma condição para a vida saudável, a disfunção erétil, por exemplo, tornou-se um problema de Saúde Pública”.

Para Rohden, o advento (e aceitação) do Viagra fez com que a indústria farmacêutica buscasse alternativas para o tratamento das chamadas “disfunções sexuais femininas” (perda de desejo, dificuldade de lubrificação, etc) como a prescrição off-label de testosterona (hormônio masculino) para mulheres. “O que está oculto nisso é que, para que as mulheres tenham ‘melhor desempenho’, seria necessário um tipo de masculinização. Há uma pertinência crítica nisso: está se reificando a imagem de um contraste radical de gênero (de que a sexualidade é masculina), endossando uma visão antiga”.

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