A formação de recursos humanos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e a residência multiprofissional foram os aspectos destacados na mesa “Formação em Saúde e implicações no campo da Saúde Coletiva”, realizada na manhã do dia 29 de setembro durante o VI Seminário de Pesquisa do IMS. A Profª Celia Pierantoni, coordenadora da Estação de Trabalho IMS/UERJ, da Rede ObservaRH, e a coordenadora da Residência Multiprofissional de Saúde Mental do IPUB (Instituto de Psiquiatria)/UFRJ Paula Cerqueira apresentaram algumas considerações sobre os respectivos temas.
“Temos a maior política social de inclusão do mundo, que é o SUS, e devemos levar os contextos de cada região do Brasil em consideração, suas particularidades, para pensar a formação em saúde”, destacou Célia Pierantoni, no início de sua exposição. Segundo a professora, a agenda da formação deve englobar sociedade, sistema educacional, corporações e sistema de saúde. “Não basta ter a formação básica para o trabalho em saúde, é preciso investir na formação permanente”.
Pierantoni apresentou os resultados de uma pesquisa sobre a evolução dos cursos de Medicina, Enfermagem e Odontologia no Brasil na primeira década deste século (2000-2009). Entre os resultados, estão o crescimento de cursos da área de Saúde nas regiões Norte e Nordeste, o aumento do número de vagas nesses cursos e o avanço das instituições privadas de ensino em Medicina. Segundo ela, esse crescimento (em especial, dos cursos de Enfermagem) põe em pauta algumas questões, entre elas a qualidade do ensino nesses locais.
“Há uma ausência completa de regulação nesses cursos? Em que condições esses profissionais estão sendo formados? Existem cursos que oferecem vagas sem ter condições de absorver a demanda.”, questiona, defendendo que deve existir um critério de avaliação mais corporativo para os cursos. “A corporação tem que existir, no sentido de defender os interesses da categoria em um âmbito positivo, como a qualidade do ensino e sua identidade como profissional”.
A coordenadora da Estação de Trabalho do IMS também apresentou quais competências profissionais são esperadas para a área de Saúde atualmente: criticidade, autonomia, liderança, capacidade para negociar conflitos e trabalhar em equipe são alguns desses atributos. “A questão para a formação não é mudar o currículo. O aluno tem que participar. O ensino passivo não cabe mais no contexto”.
A articulação direta da formação em saúde em conjunto com o Ministério da Educação e Ministério do Trabalho também esteve na pauta. “Nos últimos anos, várias ações foram realizadas para reorientar a formação na área, como a implantação do Telessaúde, residência em Medicina da Família e Multiprofissional, especializações em Saúde da Família, escolas técnicas do SUS, entre outras”, enumerou. “Quando pensamos em formação para a saúde, temos que pensar que queremos o desenvolvimento sócio-político e econômico do país para que, no futuro, não sejam apenas políticas públicas da saúde, e sim do cidadão”.
“Uniprofissionais”
Paula Cerqueira convidou os espectadores da mesa a pensar os processos formativos como políticas de cognição e analisar as tensões presentes nesse processo. “Nossa formação não nos ensina a trabalhar as tensões. A ideia de tensão não deve ser ocultada, e sim problematizada e solucionada. A dificuldade, de fato, de sustentar projetos políticos pedagógicos, criativos, que ressignifiquem a capacidade de sujeito do mundo. Na formação em saúde, isso é fundamental. Estou fazendo uma formação para cuidar de alguém: precisamos ser instrumentalizados, com tecnologias educacionais que nos ajudem a pensar estratégias de cuidado, assistenciais”.
A necessidade de colocar a formação em análise também foi corroborada por Cerqueira. “Muitas residências multiprofissionais acabam funcionando como ‘uniprofissionais’, em que as especialidades conversam apenas entre si. Penso ainda que não deve haver essa separação entre política, clínica, cuidado, micro e macro políticas. A imersão nessas separações é um perigo. Temos que conhecer profundamente todos esses contextos para construir os processos formativos”.
Para isso, a professora propõe um “projeto pedagógico singular” (NOTA: referência livre ao ‘Projeto Terapêutico Singular”). “Uma lógica formativa que trabalha procedimento-centrada (baseada em ações terapêuticas) se choca com a ideia de cuidado. É preciso que os nossos processos formativos sustentem lógicas centradas nos usuários e nas pessoas/residentes. Caso contrário, vamos instrumentalizar a formação”. Uma das propostas é incluir cenários de prática para o debate, como a noção de redes e a aposta no encontro. “Precisamos incluir nos processos formativos que os conceitos de rede é um operador clínico fundamental para produzir linhas de cuidado”.
Por fim, a coordenadora da Residência Multiprofissional de Saúde Mental do IPUB (Instituto de Psiquiatria)/UFRJ falou sobre os processos de educação permanente, que considera “uma tecnologia educacional das mais potentes, quando se propõem à problematização dos espaços de trabalho”.
Coordenador da mesa, o professor de Medicina da Família da Universidade Federal do Acre (UFAC) e doutorando do IMS, considerou o debate “um privilégio”. “O diálogo entre as profissões não é fácil. No Acre, a residência ajudou a organizar os serviços. Uma das questões atuais é contemplar as diferenças. Novos cenários criam tensões de novas práticas”.
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