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Entrevista Felipe Asensi

altO  BoletIN LAPPIS convidou com mais um expositor do VIII Seminário Nacional do Projeto Integralidade, para saber sobre suas apresentações e discussões. Nesta edição, conversamos com o professor e pesquisador Felipe Asensi.

Felipe Dutra Asensi é formado em ciências sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2006) e ADVOGADO formado pela Universidade Federal Fluminense (2007). Mestrando em Sociologia pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IUPERJ). Pesquisador do Laboratório de Pesquisas sobre Práticas de Integralidade em Saúde (LAPPIS/UERJ) e da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ). Professor de Argumentação Jurídica, Arbitragem e Sociologia Urbana dos cursos de férias da Universidade Estácio de Sá (UNESA). Bolsista NOTA 10 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (FAPERJ). Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Sociologia do Direito, atuando principalmente nos seguintes temas: direito à saúde, democracia, intelectuais e direito, instituições jurídicas, ensino jurídico.
 
BoletIN – Tendo em vista o oitavo seminário do Projeto Integralidade, como você analisa o tema da Responsabilidade com a Integralidade das ações de saúde?
Felipe – Quando pensamos na constituição de uma mesa que tratasse da responsabilidade no âmbito das ações em saúde sob a perspectiva da integralidade, buscamos englobar a discussão em dois eixos.

Um primeiro eixo visa refletir sobre os mecanismos de produção de discursos jurídicos que atuem decisivamente não somente na construção de sentidos sobre como se deve efetivar o direito à saúde pelo Estado, mas também na própria abertura à participação de outros atores de forma democrática e cidadã. A idéia é discutir a responsabilização dos diversos atores que compõem o processo de formulação, execução, fiscalização e efetivação do direito à saúde.

Um segundo eixo visa refletir mais intimamente sobre o processo de decisão no campo da saúde. Tendo em vista que o consenso se configura como uma estratégia privilegiada para a efetivação de um direito desta natureza, como é possível, então, lidar com o momento da decisão estatal? Por isso, o objetivo consiste justamente em refletir acerca das tensões que se estabelecem entre os consensos construídos na interface Estado-Sociedade-Instituições Jurídicas, porém que necessitam de um momento decisório post-facto para a sua implementação.

Neste sentido, a temática da responsabilidade das ações em saúde parece ser o elo que articula tanto os atores envolvidos no processo de efetivação deste direito (usuários, conselheiros de saúde, profissionais, etc), quanto às próprias instituições estatais (governamentais e jurídicas), conferindo um sentido participativo, cidadão e democrático em seu processo de decisão.

Articulando ambos os eixos, busca-se justamente o desenvolvimento de uma postura de estranhamento e problematização dos mecanismos de efetivação de direitos no Brasil e, em especial, do direito à saúde. O enfoque de discussão, então, deve privilegiar os seguintes pontos de tensão: a) consenso/decisão; b) direitos/mecanismos de efetivação; c) Estado/Sociedade/Instituições Jurídicas.
 
BoletIN – Quais questões referentes ao tema “Responsabilidade e decisão no cuidado: é possível fundar um ethos público na saúde?” vai abordar neste seminário?
Felipe – A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é fruto de exaustivos debates entre diversos atores. Esta Constituição representa o resultado de lutas de anos, que culminam na garantia de direitos sociais e coletivos. Alguns fatores concorrem para o teor social desta Constituição: em primeiro lugar, a Constituição representa a tentativa de correção dos excessos e descaminhos provocados pelo regime militar, garantindo um amplo catálogo de direitos sociais e coletivos intangíveis pelo Estado. A nova Constituição deveria ser um instrumento de emancipação social, com o intuito de buscar a igualdade concreta entre as pessoas. Um outro elemento refere-se à própria participação da sociedade civil, dos grupos sociais e institucionais e dos diversos grupos de pressão. Em virtude do fato da democracia ter advindo antes da própria Constituição, foi possível a expressiva participação de todos os atores no processo de sua formulação. Deste modo, conseguimos um amplo catálogo de direitos com uma pluralidade de mecanismos de efetivação.

Entretanto, observa-se uma tendência contemporânea nas instituições estatais de, embora reconhecendo a existência de direitos previstos constitucionalmente, condicionar a sua efetivação à possibilidade econômica do Estado de custear seu regular exercício.

O argumento consiste no seguinte: uma vez inserido num contexto de governamentalidade, o Estado deve gerir os recursos escassos que lhes são disponíveis, de modo que, diante de uma situação de escassez para a efetivação plena de direitos, seja justificada a sua restrição. Tanto em tribunais quanto no próprio âmbito de alguns governos, o debate acerca da relação entre direitos e custos econômicos tem crescido e, inclusive, tem sido objeto de defesa do Estado em diversas ações judiciais, sendo acolhido como argumento juridicamente possível pelos tribunais, com respaldo no argumento de alguns juristas. Em geral, as reflexões sobre os custos dos direitos incorporam as seguintes tendências: a) pensam os titulares de direitos como consumidores; b) associam os direitos à mera prestação de serviços; c) associam o dever jurídico do Estado em implementar direitos como um dever contratual (e privado); d) admitem que os direitos têm custos e, por isso, seria possível a sua restrição.

Por isso, o momento da decisão nas instituições jurídicas é essencial, seja no Ministério Público, seja no Judiciário, pois é o momento de cristalização de sentidos jurídicos a princípios e valores construídos socialmente. Atualmente, observa-se um momento de delicadeza em que os cidadãos são chamados de consumidores, os direitos são chamados de contratos e a efetivação é condicionada à disponibilidade de recursos.

Por isso, fundar um ethos público para a saúde passa pela própria reconfiguração do papel das instituições jurídicas como efetivadoras privilegiadas das demandas sociais, pois dispõem do poder de consagrar tais demandas como demandas legitimamente jurídicas. Mas isso não basta: ao mesmo tempo, implica uma discussão profunda sobre o conteúdo efetivo do que é direita, integralidade, saúde, etc, daí sendo imprescindível que englobem caracteres substantivos de cidadania, participação, abertura ao diálogo e, principalmente, alteridade. Sair do gabinete é o primeiro passo…

 

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