O BoletIN reproduz artigo escrito originalmente para a Revista do Conasems, onde a coordenadora do Lappis, Roseni Pinheiro, e a pesquisadora Ana Auler, discutem a importância do Sistema Único de Saúde como uma Política de Estado; não de Governo. O tema é oportuno, principalmente, em ano de eleições municipais, uma vez que a forma como se dá a gestão no SUS em cada município é determinante para a efetivação do direito à Saúde. Boa leitura.
Eleições 2012 e SUS – Antigos e novos desafios
Por Roseni Pinheiro e Ana Auler*
Neste ano de 2012, mais uma vez a população brasileira escolherá seus representantes, desta vez nos municípios, tanto para o poder Executivo, quanto para o Legislativo. Antigos e novos desafios se colocarão para os vencedores deste pleito e suas futuras equipes. No campo da saúde, não será diferente. Conquistas relevantes vêm sendo registradas no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), mas os desafios ainda são imensos, seja para garantia do acesso universal e efetivação do direito à saúde, seja para a garantia do cuidado e do controle social.
Embora sejam registrados significativos avanços, os problemas de financiamento público, fragmentação dos repasses, dificuldades na implantação das redes, precarização dos vínculos de trabalho, dentre outros, insistem em minar o Sistema. Apesar da expansão da atenção básica, persistem problemas de qualidade e resolubilidade. Os serviços assistenciais de média e alta complexidade, cada vez mais congestionados, comprometem os princípios do SUS. A judicialização se soma a estes desafios. Mas o SUS é uma conquista e sua existência depende do comprometimento de diversos atores: políticos, gestores, trabalhadores, movimentos sociais e dos próprios usuários. Sem dúvida, os gestores municipais, têm e terão papel fundamental na solução de grande parte destas questões. A política de saúde tem nos desafiado a fazer coincidir lei e factualidade, exigindo transformar cotidianamente o patamar entre Estado e Sociedade; e desta com o indivíduo .
É sempre oportuno lembrar que o SUS resulta de um longo e intenso processo, denominado de Reforma Sanitária, que envolveu diversos atores e buscou, a partir da década de 70, a transformação das condições de saúde e de atenção à saúde da população brasileira, através da crítica ao modelo vigente, quando ainda vivia-se sob a ditadura militar. O resultado desta luta acabou expresso na Constituição Federal, em seu artigo 196 : a Saúde é direito de todos e dever do Estado.
O acesso ao SUS é um Direito Social, mais do que isso é um direito humano à saúde, e, portanto, sua efetivação decorre de uma Política de Estado, e não de Governo. Isto, na prática, significa que a existência do SUS e a garantia dos seus princípios não dependem de um escolha política do governante, já que ele já representa uma escolha da Sociedade Brasileira.
Sendo os Municípios entes da Federação Brasileira, os gestores municipais gozam de autonomia na execução de suas políticas públicas. A forma como se dá a gestão no SUS em cada município é determinante, neste sentido, para a efetivação do direito à Saúde.
SUS e os Municípios
No Brasil, a gestão do Sistema de Saúde é de responsabilidade de todos os membros da Federação: União, Estados e Municípios e coube à legislação a definição de suas responsabilidades. A gestão do SUS, portanto, decorre de um complexo processo de negociações que envolve a burocracia pública, o conjunto dos profissionais de saúde, sindicatos, organizações da sociedade civil, dentre outros. As instâncias colegiadas do Sistema Único de Saúde (SUS), enquanto fóruns de negociação e espaços de escolhas e decisões políticas e técnicas assumem elevado grau de importância na determinação dos rumos das políticas setoriais.
A descentralização da política de saúde exige a participação dos gestores nestes espaços. No campo municipal, embora existam as diretrizes políticas e legislação nacional e estadual há uma ampla margem para inovações. A diversidade de realidades existentes no Brasil, inclusive, exige isto, além da criatividade. Os novos dirigentes devem buscar esta inovação, assegurando sempre os princípios universais do Sistema.
Desafios para os novos gestores
Em todos os campos de atuação de um gestor municipal há desafios colocados. A expansão e a qualificação da atenção básica é uma das maiores responsabilidades dos gestores municipais atualmente. A elaboração do Contrato Organizativo de Ação Pública da Saúde (COAP) e sua assinatura, assegurando a cooperação e o compromisso, também é um passo importante a ser dado. Buscar soluções para eliminar o problema da precarização dos vínculos de trabalho, implantar políticas de valorização dos trabalhadores do SUS, assegurar as políticas de educação permanente e gerir o Sistema assegurando o controle social são desafios colocados praticamente desde a gênese do SUS.
Além de resolver as questões já colocadas, no que os novos gestores podem realmente inovar é trazer o usuário para o centro do Sistema. Este caminho exigirá uma forma de construção e práticas de gestão das políticas centradas nele. Irá pressupor a existência de práticas de cuidado, que reconhecem o diálogo como fundamental, o vínculo como um valor e o atendimento das necessidades do indivíduo como ponto de partida fundamental para exercício de uma atenção responsável.
Propõe-se que os atuais e futuros gestores consolidem o SUS e atuem no sentido da revalorização dos seus princípios universais, que possuem na tríade “justiça social, equidade e integralidade” os valores ético-morais da dignidade humana e da cidadania.
* Roseni Pinheiro é coordenadora do LAPPIS e professora adjunta do Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IMS/UERJ).
* Ana Auler é doutoranda em Saúde Coletiva no IMS/UERJ.
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