Neste mês de abril, o Brasil perdeu um de seus maiores mestres em antropologia social. Gilberto Velho morreu aos 66 anos, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC), no último dia 14, e teve seu corpo cremado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro. Membro da Academia Brasileira de Ciências, era autor de uma extensa pesquisa que contribuía sobremaneira para pensar as questões urbanas na contemporaneidade. O Lappis lamenta a morte do antropólogo e a lacuna que deixa para as ciências sociais. Confira texto de Luiz Fernando Dias Duarte, publicado originalmente na Folha de São Paulo, sobre o antropólogo.
Com morte de acadêmico, país perde combatente aguerrido
Por Luiz Fernando Dias Duarte
Texto publicado na Folha de S.Paulo
Em 1973, foi publicado um livro curto, de aparência despretensiosa, chamado "A Utopia Urbana: Um Estudo de Antropologia Social". Seu autor era um jovem intelectual, recém-chegado de um doutorado nos EUA, professor do então recente programa de pós-graduação em antropologia social do Museu Nacional (Rio).
Gilberto Velho começava ali uma brilhante carreira acadêmica, associada a uma antropologia urbana que ele foi pioneiro em construir no Brasil. Aquele trabalho deslocava o foco da pesquisa para o cerne urbano de uma sociedade em rápida modernização, às voltas com toda sorte de problemas sociais. E isso, vale lembrar, num momento histórico em que o autoritarismo político vivia seu ápice. Essa complexidade e essa instabilidade exigiam um esforço de interpretação que não recorresse apenas às grandes teorias, mas fosse às pessoas, as ouvisse e tentasse compreender suas motivações e impulsos.
COPACABANA
"A Utopia Urbana" se baseava em entrevistas diretas e densas com os moradores de um prédio de apartamentos da frenética Copacabana, gente que se deslocara de bairros distantes para compartilhar das benesses cobiçadas da zona sul carioca: novas formas de lazer, de sociabilidade, recursos diferenciados de vida.
Creio que o último de seus trabalhos tenha sido um artigo ainda inédito sobre as relações entre os patrões de classe média e seus trabalhadores domésticos.
Velho desvela aí, com o tom terno das evocações pessoais, a complexidade das tensas negociações de realidade que envolvem diferenças sociais e culturais, ethos econômico e religioso divergente, confrontos entre projetos de vida e trajetórias de sobrevivência contraditórias.
COMPROMISSO
Ele acaba de morrer.
É uma grave perda pessoal para todos os que o conhecemos, mas é sobretudo a perda de um combatente aguerrido, que, nas páginas dos jornais, nas aulas memoráveis, nos foros coletivos ou nos artigos científicos, nunca deixou de unir a competência acadêmica ao compromisso comum.
Ele, que tanto se dedicou ao estudo de projetos de vida, legou-nos o seu próprio como exemplo.
LUIZ FERNANDO DIAS DUARTE é professor do Museu Nacional/UFRJ e vice-presidente da Associação Brasileira de Antropologia
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