Em reportagem exclusiva, o jornal “Folha de São Paulo” compilou depoimentos de especialistas na área de Saúde e Social para discutir a epidemia da dengue que assola o Estado do Rio de Janeiro. Confira.
Os 65 mortos no Estado do Rio vítimas de uma epidemia de dengue e, destes, os 44 que sucumbiram ao mosquito aedes aegypti na sua capital são cadáveres municipais, estaduais ou federais? Embora a questão possa parecer agressiva, ela encerra, infelizmente, a mais nova disputa entre a prefeitura do Rio, comandada pelo prefeito César Maia (DEM), e os governos federal e estadual. É quase uma repetição de 2005, quando o colapso do sistema de saúde da capital fluminense rendeu acusações de todos os lados, enquanto doentes morriam nas filas dos hospitais públicos.
O surto de dengue no Rio não devia ter surpreendido as autoridades envolvidas nesse jogo de empurra. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), os casos de dengue no Brasil vêm aumentando desde 2004. Naquele ano, foram 112 mil os casos notificados. Em 2007, eles chegaram a 560 mil. No ano passado, o país respondeu por quase dois terços dos casos de dengue das Américas. O Rio tem enorme contribuição nesses números. Tomadas as primeiras cinco semanas do ano, em comparação com o mesmo período do ano passado, os casos de dengue no país caíram 39,7%. O Estado do Rio, no entanto, teve um aumento de 117,4% nas notificações da doença. A capital fluminense respondeu por 67% delas.
“Não é o mosquito que mata, mas a política”
Em depoimento exclusivo à “Folha de São Paulo” (07/04), o doutor em Saúde Pública e professor da USP Paulo Carpel Narvai disse acreditar que “não é o mosquito que mata, mas a política”. “No cenário carioca, a política de saúde é vítima da incompetência e da demagogia. Ingênuos ou mal-informados estão aceitando a tese da perda de controle sanitário da dengue por incompetência de “todos os governos”. A tese pode ser simpática, parecer justa, razoável, mas é equivocada. E injusta, sobretudo com o ministro da Saúde”, afirmou.
Navrai critica também a segregação dos hospitais municipais e federais no Estado do Rio. “Com a cabeça na institucionalidade sanitária do século passado, Cesar Maia ignora completamente o SUS como uma política de Estado, que requer ações articuladas das três esferas de governo, e não deste ou daquele governo, deste ou daquele partido. Sua visão parece não alcançar além “dos hospitais municipais”. Quem analisa o discurso sobre saúde do alcaide do Rio percebe que ele nada diz sobre o SUS e seus desafios na cidade. Ocupa-se, em geral lamuriento, dos “hospitais municipais”, que distingue e separa dos “hospitais federais”.
Luiz Hildebrando Pereira da Silva, por sua vez, aponta as primeiras causas da situação de descontrole da epidemia de dengue no Rio de Janeiro: a acentuada precariedade da rede de atendimento de saúde primária. “Que cenário seria de esperar no caso de ameaça de epidemia, mesmo com uma implantação precária da rede de atenção primária à saúde no Rio e na Baixada Fluminense? Algumas das equipes do PSF teriam alertado a Secretaria da Saúde sobre aumento de casos febris de crianças e adultos, com quadros clínicos suspeitos de dengue. A Secretaria de Saúde do Município alertaria a congênere do Estado e ambas conduziriam um inquérito para verificar a etiologia das infecções com confirmação da dengue e identificação do sorotipo viral correspondente”, explica o parasitologista.
Confirmado o início de epidemia, segundo Hildebrando, as secretarias conjugadas desenvolveriam uma ativação das intervenções de controle vetorial e um reforço das unidades de atenção básica e de equipes do PSF, com a criação de novas unidades em áreas carentes. “Uma célula de comando das ações seria organizada – com participação de especialistas da Fiocruz e das universidades – e , de posse das informações acumuladas, traçaria um plano de campanha, reforçando as estruturas de diagnóstico e atendimento dos centros de saúde (atenção secundária) e, se necessário, convocando voluntários entre estudantes de medicina e de enfermagem, agentes de saúde, aposentados, etc. Ao mesmo tempo, a célula de comando organizaria pela televisão e pela mídia uma campanha de informação e de alerta à população”.
“A agora reconhecida epidemia de dengue no Rio de Janeiro tem, certamente, culpados. Alguém não trabalhou de forma adequada, utilizando os instrumentos para isso necessários: vigilância epidemiológica, ações de combate aos focos do mosquito, informação à população e tratamento dos doentes. A quem cabe a responsabilidade?”, questionou Claudia Costin.
A professora do Ibmec-SP e da Universidade de Quebec relembra a Norma Operacional Básica 1, instituída em 1996, que avança na municipalização (“e a vida concreta ocorre no município”), ao dotar a autoridade pública municipal de poder para mobilizar diferentes serviços presentes no município, e até fora dele, para o atendimento às necessidades de saúde de sua população. “O ator principal, a partir dessa norma, torna-se o prefeito, sempre com o apoio das esferas estadual e federal. Com ele, a palavra”, conclui Costin.
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