Confira a entrevista com a advogada Beatriz Galli sobre o tema.
A atenção integral à saúde sexual e à saúde reprodutiva tem sido muito debatida. Diversas entidades, organizações sociais, docentes e ativistas estão chamando atenção do poder público para ações políticas de defesa e garantia dos direitos humanos, em especial os direitos sexuais e os direitos reprodutivos.
Para esses direitos serem assegurados de forma efetiva no Brasil, precisamos aprofundar os debates sobre a saúde sexual e reprodutiva e buscar a sensibilizar o Congresso Nacional para a atualização da legislação penal sobre o aborto. Existem ainda muitos tabus, mitos, crenças morais e religiosas que acercam os direitos sexuais e reprodutivos, dificultando ações de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis, ao acesso aos métodos contraceptivos, à informação e à mortalidade materna.
Para contribuir com os debates referentes ao tema, a equipe de Comunicação do Lappis entrevistou a advogada Beatriz Galli, que atua na defesa dos direitos humanos e dos direitos reprodutivos. No bate-papo, ela abordou o atendimento médico às mulheres que passam por complicações do aborto inseguro, deu dicas sobre como enfrentar os preceitos morais e religiosos e pontuou ações políticas de promoção e defesa dos direitos sexuais e reprodutivos.
Lappis – Dra. Beatriz Galli, o número de casos de aborto de risco vem aumentando no mundo. Como o Sistema Único de Saúde/SUS e os profissionais de saúde estão recebendo as mulheres que procuram atendimento médico por complicações do aborto inseguro frente a sua criminalização?
Infelizmente, não temos dados de pesquisa nacional sobre a qualidade do atendimento às mulheres que buscam os serviços de saúde para tratar das consequências do aborto inseguro. O Ipas e o Grupo Curumim, no entanto, fizeram um levantamento em 5 estados que demonstrou que existem violações aos direitos humanos das mulheres na maioria dos locais estudados. As mulheres enfrentam demoras, falta de informação, falta de atendimento humanizado, discriminação e estigma. Em alguns casos, existe denúncia dos profissionais de saúde para a polícia.
Lappis – Devido às dificuldades de identificar profissionais de saúde disponíveis para atuar nos casos de aborto legal, de aborto de risco e de violência sexual, o que se faz necessário para incluir a questão do aborto na formação dos profissionais de saúde e de direito?
Faz-se necessário usar a abordagem dos direitos humanos para tratar do acesso à saúde para as mulheres que sofreram violência sexual e que desejam interromper a gravidez, exercendo o seu direito previsto em lei. Os direitos sexuais e reprodutivos devem ser exercidos por todas as pessoas livremente, sem preconceitos, estigmas, barreiras de ordem moral ou religiosa através de políticas públicas de saúde laicas.
Lappis – No Seminário de 25 anos do Direito à Saúde, a senhora alertou sobre o número de mulheres que passaram por gravidez indesejada. Quais são as ações políticas de promoção e garantia dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos atualmente no Brasil?
O acesso aos métodos contraceptivos é fundamental para que as mulheres e homens possam exercer os seus direitos sexuais reprodutivos, e possam decidir quando e como desejam planejar a sua vida reprodutiva, terem ou não terem filhos, e qual o melhor momento para isso. Infelizmente, o acesso ainda é descontinuado nos serviços de saúde e nem sempre existem vários métodos disponíveis para que as pessoas possam escolher o que melhor se adapta ao seu estilo de vida. O acesso à educação integral em sexualidade nas escolas e fora delas também é importante para garantir o acesso à informação em sexualidade, saúde sexual e saúde reprodutiva, para que desde cedo as pessoas possam evitar a gravidez indesejada e possam exercer com autonomia a sua sexualidade e decidir de maneira informada sobre a sua vida reprodutiva.
Lappis – O Brasil vive uma questão delicada para o avanço dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. Temos uma bancada grande, no Congresso Nacional, de cristãos e evangélicos que vão contra a muito dos aspectos desses direitos. Qual é a direção que se deve tomar para que os direitos sexuais e os direitos reprodutivos sejam vistos como uma questão de saúde pública e não de religião?
Deve-se fazer campanhas de educação sobre o tema nas escolas e nos serviços de saúde. Além disso, é importante acionar as mídias sociais e os canais de comunicação de massa para promover o debate púbico sobre os temas que vem enfrentando resistências no Congresso e que afetam a vida de todas as pessoas, as religiosas e as que não têm religião ou que divergem da postura religiosa mais conservadora sobre tais questões. É importante que a população possa se posicionar sobre tais temas e opinar quando houver alguma tentativa de retrocesso através de uma proposta legislativa apresentada por essas bancadas religiosas. O debate sobre a necessidade de revisão da legislação penal de 1940 é urgente. Atualmente, existe uma proposta de revisão do Código Penal onde o tema do aborto vem sendo abordado de forma mais ampla do que a atual legislação. Esperamos que a proposta apresentada pela Comissão Especial de Juristas prospere e a mulher possa ser vista como um ser autônomo e capaz de decidir sobre a sua vida sexual e reprodutiva livre de discriminação e violência.
Lappis – Como enfrentar os obstáculos sociais e culturais que dificultam o acesso das mulheres à atenção ao aborto nos casos previstos em lei e a violação dos direitos humanos?
Através do debate público e de campanhas de informação à população sobre os direitos sexuais e reprodutivos. Há necessidade de informar sobre a nossa lei penal e as situações em que o aborto é permitido. As mulheres precisam de informações sobre aonde buscar ajuda em uma situação de violência sexual, de risco de vida ou de gravidez de um feto anencefálico, sabendo que nestes casos a interrupção da gestação é legal.
Seja o primeiro a comentar