As Ciências Sociais e a Epidemiologia: algumas questões estruturais para o campo da Saúde Pública foi o tema do debate realizado na Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ) na última sexta-feira (27/5). A atividade foi planejada à luz do lançamento do livro “Pesquisa em saúde coletiva: fronteiras, objetos e métodos” (Ed. Fiocruz).
Trazer as contribuições da epidemiologia e das ciências sociais para a perspectiva multidisciplinar da saúde pública, as tensões entre as diferentes áreas e a possibilidade de combinação entre abordagens qualitativas e quantitativas foram os objetivos do encontro que a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP/FIOCRUZ) promoveu, na última sexta-feira (27/5), com os especialistas Maurício Lima Barreto (ISC/UFBA), pelo lado da Epidemiologia, e Maria Andréa Loyola (IMS/UERJ), pelas ciências sociais. O debate, intitulado As Ciências Sociais e a Epidemiologia: algumas questões estruturais para o campo da Saúde Pública, foi realizado no auditório térreo da Escola. A atividade foi coordenada pela pesquisadora da ENSP Regina Bodstein e planejada à luz do lançamento do livro “Pesquisa em saúde coletiva: fronteiras, objetos e métodos” (Ed. Fiocruz).
Previsto inicialmente apenas para a disciplina de Seminários Avançados do doutorado em Saúde Pública da ENSP, a organizadora do debate, a pesquisadora da Escola Maria Cristina Guilam, disse que o evento tornou-se aberto ao público devido à importância de se reunir dois especialistas para discutir o tema proposto. “Ao trazer duas pessoas bastante significativas para seus respectivos campos de conhecimento, pretendemos abordar as contribuições da epidemiologia e das ciências sociais para a saúde pública, envolvendo ainda os limites e as interações entre essas três áreas”. (Foto: Maria Andréa Loyola, Regina Bodstein e Maurício Lima Barreto).
Para Maurício Lima Barreto, que abriu o seminário, não é simples colocar em conversas produtivas as diferentes disciplinas. “Esse tipo de evento deveria acontecer mais vezes no campo da Saúde Coletiva”. O médico apresentou um histórico da Epidemiologia, que começa a se organizar – centrada nos determinantes sociais – no século XIX, para lançar a primeira questão: “A Epidemiologia não deve ser explorada como uma disciplina somente quantitativa. O compromisso não é apenas a quantificação de determinado evento”. Segundo ele, as dimensões do conhecimento epidemiológico devem contribuir para a reflexão da diversidade de conexões interdisciplinares – sociais, culturais, ambientais, entre outras.
Durante a exposição, Barreto também fez algumas críticas à Epidemiologia, como a pouca relevância nos fundamentos teóricos. “Há pouco desenvolvimento conceitual entre o biológico e social. Uma das tentativas foi a ‘teoria do stress’, de John Cassel (Escola de Epidemiologia Social de Chapel Hill), que levou em consideração a influência dos fatores sociais na área da biologia cardiovascular. Esse exemplo ilustra como se tem tentado buscar teorias articuladas”.
Outra crítica foram as implicações da Epidemiologia para as políticas e ações de saúde. “Como utilizar os determinantes sociais para essa questão?”, indagou. “Há desafios metodológicos e operacionais, mas o diálogo com as Ciências Sociais é possível. Não vamos resolver todos os problemas no curto prazo, mas a ação é importante. Talvez não seja possível uma ‘grande’ teoria: a opção são os quadros teóricos para tratar as disciplinas”.
Produtivismo versus qualidade
“Temos uma enorme capacidade de colaboração entre as áreas”, afirmou Maria Andrea Loyola, ao iniciar sua exposição, sobre a Saúde Coletiva, para em seguida lançar a questão: “Qual o lugar das Ciências Sociais para esse campo? A Saúde Coletiva é o sistema social do que é a saúde e as Ciências Sociais devem ser a base e o cimento que constituem essa área. A Epidemiologia fornece o conhecimento sobre a dimensão social da saúde, assim como para as metodologias para as Ciências Sociais. Mas ainda não ocupam o lugar que deveriam ocupar. Nas agências de fomento, por exemplo, a Saúde Coletiva ainda está ligada à lógica biomédica”.
Para Loyola, a submissão do ensino universitário à pesquisa e a automatização do ensino no sentido de cumprir as regras de órgãos como a CAPES são um fator de desagregação para a missão das Ciências Sociais na Saúde Coletiva. “O sistema pode agilizar publicações da área, mas põe em risco todo pensamento mais global e torna difícil o exercício crítico”, disse. “Há uma padronização do conhecimento. Deixamos de aproveitar a transdisciplinaridade para atender às normas”. Como uma possível solução para o impasse, a cientista social propôs uma mudança na grade curricular dos cursos no sentido de problematizar e atualizar as discussões da Saúde Coletiva. “O desafio é político: as disciplinas de Ciências Sociais e Humanas devem defendidas como uma sub-área da Saúde Coletiva. Devemos assumir nosso papel de liderança crítica”.
Após as exposições, a pesquisadora do Lappis e professora aposentada Instituto de Medicina Social (IMS/UERJ) Madel Therezinha Luz comentou a importância dos cursos em Saúde Coletiva terem uma boa base teórica ainda na graduação. “A formação das Ciências Sociais é uma questão muito importante para o campo da saúde. No entanto, o regime social da produção de conhecimento interfere o tempo todo no resultado final. Temos que atuar nesse regime para que sejam modificados”.
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