Em artigo para o BoletIN, a jornalista e pesquisadora do Lappis, Juliana Lofêgo, faz uma leitura sobre a Rio + 20 a partir da cobertura jornalística. Professora da Universidade Federal do Acre (UFAC), ela acompanhou o evento à distância e analisa como a mídia tratou a questão ambiental.
A Rio +20, vista com distância geográfica e mediada pelos meios de comunicação, traz algumas inquietações. A primeira vem na constatação da péssima qualidade das coberturas jornalísticas das grandes redes de TV sobre assuntos que eram discutidos tanto por lideranças mundiais quanto pela sociedade civil. Com muitos recortes e destaques a detalhes foi difícil compreender o evento para além de sua infraestrutura.
Uma exceção foi a Empresa Brasil de Comunicação, que fez uma transmissão multimídia para vários estados brasileiros e, na parceria com a Rádio Aldeia do Acre, foi possível ouvir pelo rádio discursos das autoridades na Cúpula Oficial, além de entrevistas e comentários de ambientalistas, ativistas, professores e jornalistas ao vivo da Cúpula dos Povos. Satisfez o interesse pessoal no acesso fácil à informação mais contextualizada. Pela internet sites disponibilizaram transmissão ao vivo para conexões mais potentes que a minha, mas o meio complementou a noção do que acontecia no evento. A possibilidade de participar à distância ainda é uma iniciativa pouco explorada em tempos de interatividade e a única opção que encontrei me parece limitada: compartilhamento, mensagem e comentário pela internet têm lá seu potencial, mas não bastam.
Transmissões ao vivo de conferências, discursos na íntegra e análises em profundidade não geram grandes audiências. Somente uma empresa estatal (ou pública, a depender do ponto de vista) foi capaz de priorizar conteúdos com uma cobertura abrangente do evento. Nessas horas, reforço a convicção da necessidade de pluralidade de vozes e democratização dos espaços midiáticos para estimular a reflexão e o debate na sociedade. É difícil pensar com autonomia sem conhecer diferentes visões e pontos de vista em um assunto permeado por tantos interesses econômicos e ideológicos.
Em uma avaliação despretensiosa de quem não é militante da área e assiste à Conferência de longe, dois discursos divergentes ganham destaque na questão ambiental: um que engloba principalmente governos e empresas e aposta no ambientalismo capitalista e economia verde, outro com forte presença da sociedade civil, organizações e movimentos sociais que aponta o modelo econômico atual baseado no consumo excessivo e desperdício como incompatível com a proteção ambiental. Ao trazer a ciência para dar aval de verdade aos argumentos de cada lado, percebe-se que tampouco existe consenso nessa seara.
Foi com surpresa que assisti a um acordo sobre o relatório a ser assinado pelos governantes mundiais na Cúpula Oficial da Conferência. Os movimentos sociais criticavam o documento tímido com poucos avanços e prazos a serem cumpridos e a insatisfação foi reiterada por líderes mundiais com posturas tão diferenciadas como os presidentes da Bolívia, França, Irã e outros mais. Até o secretário geral das Nações Unidas disse que imaginava mais avanços. No dia seguinte, o secretário mudou discurso para afirmar que o relatório é amplo e ambicioso. Não vi muitas repercussões sobre essas falas além do factual, e me incomoda a postura do jornalismo que não aprofunda o fato com conexões econômicas, políticas, históricas, sem investigar causas nem consequências.
Outro estranhamento meu foi com relação ao destaque de alguns telejornais no segundo dia da Cúpula Oficial ser a fala do Ministro da Fazenda festejando aumento de parcerias e negócios com a China e negando o aumento do preço do petróleo. Não seria essa uma abordagem completamente contrária ao que se supunha ser o foco de um dia inteiro de discussões na Conferência? As contradições pescadas no mosaico midiático não seriam combustível inflamável para variadas análises na própria mídia? Até agora, esse debate parece ser mais pautado no âmbito privado do que no público.
Trazendo o assunto para o Acre, onde está instalado meu posto de observação, parto das comemorações de cinquenta anos da formação do Estado acontecidas na semana passada – daí a apropriação para Acre +50. Na Rio +20 o governo estadual promoveu eventos como “O dia do Acre” e ”Faça do Acre a sua floresta”, com várias palestras de representantes do governo e de entidades ambientais. No entanto, aqui também há discursos divergentes. Um dossiê elaborado para a mesma ocasião da conferência mundial aponta a falência do modelo de economia verde do Estado, com destruição ambiental e exclusão, sob o título “O Acre que os mercadores da natureza escondem”.
Um lugar que lutou para ser Brasil há pouco mais de 100 anos por força dos brasileiros que extraíam latex nas florestas vive até hoje num dilema entre a preservação e o desenvolvimento. Na fase próspera da economia da borracha a floresta preservada significava riqueza. A partir da década de 70, com o incentivo dos governos militares à construção de estradas, exploração de gado e expansão madeireira na Amazônia, a chegada de fazendeiros e grileiros estimulou a expulsão de seringueiros das florestas. essa época, a liderança de Chico Mendes ganhou destaque no movimento de resistência dos seringueiros. O assassinato dele e de outras lideranças no final dos anos 80 acabou contribuindo para se repensar o modelo de desenvolvimento para Amazônia. Nos últimos 20 anos, o desenvolvimento sustentável pautou o desenvolvimento do Estado, que conta hoje com cerca de 80% de florestas nativas em seu território, boa parte em áreas protegidas. O discurso governista construído nos últimos 14 anos coloca o Acre como modelo de desenvolvimento sustentável, manejo madeireiro e valorização dos povos da floresta, contando com apoio e financiamento de organizações e bancos internacionais para isto.
No cenário nacional a diversidade de opiniões e o debate de ideias no espaço midiático é uma exceção à regra, fruto da falta de regulamentacão dos meios de comunicação que favoreça o interesse da populacão em detrimento dos interesses corporativos dos empresários da mídia. No contexto local, marcado pelos meios de comunicação privados dependentes de verbas governamentais e uma comunicação oficial fortalecida, a pluralidade de opiniões é quase uma ameaça à soberania, muitas vezes perseguida e calada. A falta de debate favorece a inquietação: o preço da integração e desenvolvimento nos próximos 50 anos do Acre ainda é uma incógnita para mim e para a maior parte da populacão local.
Questiono a onipresença de um discurso único no espaço público. No Acre, assim como na Rio + 20, discurso oficial já traz o poder da autoridade, mas tem que dialogar com os discursos divergentes, até para confirmar sua importância e validade. E esse debate deve ser público, aberto, divulgado e transmitido pelos meios de comunicacão, que devem defender o interesse público de buscar um mundo melhor para todos.
Imagens do site: http://www.agencia.ac.gov.br/rio20/index.php/acre-na-rio-20
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