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50 anos do golpe militar: o que a Saúde tem a ver com isso?

Em abril, o Brasil enfrenta uma dura memória: os 50 anos do golpe civil militar, que instalou a ditadura no país. No campo da Saúde Pública, lembramos os 43 anos do episódio que ficou conhecido como o Massacre de Manguinhos, quando dez pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) foram cassados pela ditadura militar e tiveram suspensos os seus direitos políticos. Além dos danos individuais causados aos pesquisadores cassados – que foram submetidos a prisões arbitrárias e torturas até serem exilados – o regime militar impactou de forma drástica o desenvolvimento da ciência brasileira e a geração de conhecimentos e soluções para a saúde pública do país.

Durante os anos de chumbo, laboratórios foram fechados, muitos profissionais foram afastados de seus cargos, estudos e pesquisas foram interrompidos e o investimento nos serviços públicos foi reduzido a quase zero, enquanto a estratégia econômica do governo favorecia a iniciativa privada. Não era raro que profissionais com convites para viagens ao exterior fossem impedidos subitamente de ir e vir. As condições e ambientes de trabalho eram precários, degradados pela falta de recursos e de liberdade de pensamento. 
 

Os 50 anos do Golpe Militar foram lembrados nos corredores da UERJ em uma exposição organizada pelo Centro Acadêmico Josué de Castro. Entre as imagens que fazem parte do material exposto, está a homenagem aos líderes estudantis perseguidos e mortos pelo regime

A repressão da ditadura privou as instituições de pesquisa de grandes cérebros que estavam na ponta do conhecimento científico do país. Expoentes de áreas como Entomologia, Micologia e Fisiologia, os pesquisadores cassados durante o regime militar líderes de projetos de pesquisa e seus laboratórios foram desmontados. “A Entomologia, que era uma das áreas mais importantes e tradicionais da instituição, por causa da pesquisa com insetos transmissores de doenças endêmicas no país, ficou desfalcada”, exemplifica a cientista social Wanda Hamilton, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) em entrevista à revista Radis.
E as consequências foram além da área de pesquisa. “O golpe atingiu em cheio a estrutura da Previdência Social, da assistência médica por controle dos trabalhadores e, também, o movimento de cidadania que se esboçava dentro da agenda política das reformas de base”, aponta o pesquisador José Noronha, presidente do Centro de Estudos de Saúde (Cebes), em entrevista à TV Brasil.

Reforma Sanitária
 

A resposta à repressão e ao retrocesso provocados pelo regime militar à saúde pública brasileira veio anos mais tarde, no processo de redemocratização do país, com o surgimento do Movimento da Reforma Sanitária, liderado pelo sanitarista Sergio Arouca. Médicos e pesquisadores levaram ao centros de debate político do país as discussões sobre o papel do Estado na garantia e na promoção da saúde, segundo o conceito de acesso acesso universal à saúde, que hoje é a base do Sistema Único de Saúde (SUS).
 
Em entrevista à TV Brasil, Noronha exemplifica: “São três aspectos fundamentais. Primeiro, a saúde é um direito das pessoas. Segundo, esse direito deve ser garantido por políticas sociais e econômicas. E, terceiro, o acesso universal e igualitário aos serviços de saúde. Saúde não é mercadoria, é um direito das pessoas – e é dever do Estado garantir esse direito”.

Os 50 anos do Golpe Militar foram lembrados nos corredores da UERJ em uma exposição organizada pelo Centro Acadêmico Josué de Castro. Entre as imagens que fazem parte do material exposto, está a homenagem aos líderes estudantis perseguidos e mortos pelo regime

Hoje, o movimento sanitarista permanece na luta pelo fortalecimento da democracia no país e pela consolidação do SUS como um sistema de saúde universal, equânime, gratuito e de qualidade. Uma ação contundente neste sentido é a instituição da Comissão Nacional da Verdade da Reforma Sanitária, lançada em novembro de 2013 no Rio de Janeiro durante o VI Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde. O compromisso é o de investigar as violações de direitos humanos praticadas por agentes do Estado entre 1964 e 1985 contra trabalhadores da saúde.
 
A Comissão Nacional da Verdade da Reforma Sanitária está baseada em seis pilares: procura da verdade e coragem de enfrentar o passado; postura democrática e transparência; solidariedade; escuta e valorização da voz das pessoas violadas; rigor no tratamento das informações; e os princípios da ética da pesquisa e do direito.
 
“Temos o direito e dever de contribuir para a restauração dessa verdade que conduza à reparação dos atos de violação e suas consequências, as pessoas querem contar suas experiências, discutir a questão”, finaliza Anamaria Tambellini, presidente da Comissão.

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