O BoletIN conversou com Roseni Pinheiro, coordenadora do Lappis e idealizadora do Seminário de Integralidade: saberes e práticas no cotidiano das instituições de saúde, que este ano entra na sua décima segunda edição com o desafio de discutir “Integralidade sem fronteiras”, no Acre, entre os dias 13 e 17 de agosto. Nesta entrevista, Roseni fala sobre o tema central do seminário, a escolha de Rio Branco como cidade-sede, os desafios e expectativas para o evento.
BoletIN – O tema desta edição do Seminário do projeto Integralidade é: “Integralidade sem fronteiras: itinerários formativos, de justiça e de gestão na busca por cuidado”. O que se pretende trazer à tona com a discussão?
Roseni Pinheiro – O itinerário formativo inclui essa tríade de imaginários, práticas, saberes que são, exatamente, o usuário, o gestor e o trabalhador – e a universidade. Esse nexo constitutivo e constituinte da saúde, necessariamente, tem que envolver a universidade. O interessante é que, nesse espaço do Seminário, vamos ter personagens que atuam na gestão, que atuam na formação e que atuam na justiça. Seja na sua prática cotidiana em defesa da justiça social, seja também na prática cotidiana das instituições da justiça. Vão estar presentes desde o Ministério Público até pesquisadores da área de direitos humanos. E aí entra a ideia também do “cuidado” como valorização dos direitos humanos. Portanto, esse é um tema que é candente e absolutamente fundamental. E, em torno desse eixo principal, existem os outros que são estratégicos e serão discutidos, como a ideia do trabalho em equipe, da participação, da comunicação, da formação de profissionais para o atendimento a populações ribeirinhas, por exemplo. Em relação aos “itinerários”, nós queremos até, do ponto de vista epistemológico, fazer esse movimento de transdisciplinaridade, de transversalidade, que é inerente a contextos socioculturais distintos e que é uma riqueza do nosso país. Então, fico muito contente de a gente, como um grupo de pesquisa multicêntrica, estar contribuindo com essa discussão.
BoletIN – A exemplo do ano passado, quando o Seminário aconteceu em Recife, este ano ele segue itinerante e vai aportar no Acre, um Estado com muitas especificidades. Como se deu a escolha de Rio Branco para cidade-sede do Seminário em 2012?
Roseni – Esta era a vez do Acre. Acho que havia uma demanda muito grande e a gente conseguiu maturidade, força e apoio institucional para realizar o Seminário lá, levando pessoas do Rio Grande do Sul, de São Paulo, Belo Horizonte, Cuiabá, Juazeiro, Petrolina, enfim, é um encontro cosmopolita. Repare: trata-se de uma ideia de comospolita que não despreza a história, mas que enfatiza o presente como sendo o “entre”, do passado com o futuro.E acho que isso é coerente com a história da Amazônia e é coerente com a história do estado do Acre. Desde 2000, quando coordenei o projeto Experiências Inovadoras, o Acre se colocou de uma forma mais propositiva, sempre integradora. Houve grande receptividade, sobretudo por parte dos professores Osvaldo Leal, Rodrigo Silveira e Juliana Lofêgo – todos três da Universidade Federal do Acre (UFAC), dois da Medicina e uma da Comunicação. Eles sempre foram muito leais nesse movimento de mobilização e de agregação de valores. Desse modo, a gente tem aquilo que eu acho que efetivamente é conhecimento recíproco. Isso facilita tudo.
BoletIN – Quais avanços você tem percebido em relação às práticas de saúde e sua adequação à realidade da Amazônia legal?
Roseni – Todos os avanços. Hoje, vemos um estado reconstruído, com um povo orgulhoso do seu trabalho, da sua terra, da sua mobilização. Pra você ter uma idéia, o curso de Medicina, da Universidade Federal do Acre, teve uma pontuação maravilhosa pelo MEC, justamente defendendo essa diversidade que é característica da região. Não era incomum você ter alunos que iam do Sul, do Centro-Oeste, do Sudeste, e chegavam lá exigindo um tipo de conhecimento coerente com a região deles mas não com a região onde o Acre está. Isso mudou. E a presença dos eixos de saúde da família e integralidade, por exemplo, no curso de Medicina da UFAC, pra mim, é uma vitória excepcional. Faz parte de uma mobilização que agrega valor justamente nesse dispositivo que o grupo de pesquisa tem de criar sítios avançados e incubadoras em diversas regiões do país. Fico muito feliz de o Lappis estar possibilitando essa interlocução e dando visibilidade a um conjunto de ações e atividades que, num espaço público, se colocam como um condicionante. Não só como determinante, mas como condicionante.
BoletIN – Para esta edição, estão programados dois momentos de debate: um pré-seminário, onde se discutirão entre outras questões a democratização da informação na saúde, e o seminário propriamente dito. Esse é o grande diferencial do seminário este ano?
Roseni – Nós quisemos potencializar ao máximo o período, já que tem uma questão de logística a ser levada em conta também. No total, inicialmente, são 27 pessoas, de lugares distintos do país, de distintas instituições. Então, para ir esquentando o clima para o seminário, vamos ter dois dias com mesas-redondas com assuntos que giram em torno da temática do seminário. Quando estávamos preparando a programação, eu e Oswaldo Leal (professor da Universidade Federal do Acre) sentimos a necessidade de potencializar a questão das fronteiras e fazê-la de forma absolutamente transversal e ímpar, com estímulo forte ao tema das políticas estratégicas de saúde, tais como a Política Nacional de Educação Permanente e Áreas Programáticas Estratégicas de Apoio Institucional. Entre os elementos que ajudam a construir essa porosidade entre saberes, está por exemplo a área da comunicação. Entendo que é um eixo estratégico. A outra questão é o acesso e justamente o acesso na fronteira, a discussão da acessibilidade e da universalidade do acesso em fronteiras com países onde o acesso não é universal. Fizemos questão de ter isso como central no Seminário. E por último, mas não menos importante, a própria discussão da formação médica. Acho que essa é uma problemática importante da região da Amazônica Legal. De que modo a gente vai lidar com as questões culturais típicas da região em relação às questões culturais desses países com quem fazemos fronteira? Só para citar um exemplo, você tem a medicina xamânica e práticas que, de alguma maneira, contestamos no Brasil mas são práticas muito marcantes na cultura de países como Bolívia e Peru. Então, o Seminário vai problematizar todas essas questões. Tem tudo para ser um momento riquíssimo.
BoletIN – Para concluir, que balanço podemos fazer do Seminário ao longo dos anos e quais as suas expectativas para o seminário no Acre?
Roseni – Começamos em 2000 fazendo um seminário que tinha, no máximo, 40 pessoas. No ano seguinte, nós tínhamos 60 pessoas. No terceiro, esse número foi para 200. No quarto Seminário, ondenós reunimos mais de 1000 pessoas no teatrão da UERJ para discutir o tema "Cuidado: as Fronteiras da Integralidade”, esse número foi aumentando ainda mais e assim fomos avançando até chegar aos 10 anos do Grupo, com o tema “Por uma sociedade cuidadora”. Nesse, contamos com o auxílio luxuoso da conferencista professora Agnes Heller. Produzimos um vídeo com a trajetória do Lappis, homenageamos nossos colaboradores, funcionários, parceiros institucionais, “os amigos do Lappis”. E não ficamos somente na realização do seminário nacional do grupo como um todo, paralelamente nós começamos a realizar seminários temáticos que tinham como ponto de partida nossas pesquisas. Destaco aqui, o Seminário sobre “O trabalho em Equipe” sob o eixo da Integralidade, no qual contamos com o auxílio luxuoso da professora Elizabeth Barros (professora da Universidade Federal do Espírito Santos) e do grupo de pesquisa dela. E isso gerou uma produção maravilhosa. Outro dado marcante, ao longo desses anos, foi a entrada do professor Paulo Henrique Martins (professor da Universidade Federal de Pernambuco), como pesquisador do Lappis e parceiro efetivo, nos ensinando a teoria da Dádiva, do Dom, e apresentando o movimento antiutilitarista M.A.U.S.S., ao qual me filiei e sobre o qual já organizamos um encontro aqui na UERJ. Desde então, nós avançamos na discussão da avaliação, de modo a torná-laum pouco menos intimidatória e centrada muito mais no usuário. E daí a gente vem num processo crescente. Temos que registrar a participação marcante do professor Ricardo Ceccim, enquanto gestor do SUS na política de educação permanente. Sua contribuição ao Lappis, ao longo desses anos, foi absolutamente fundamental, também como intelectual e professor dedicado numa área que se constitui sua própria expertise. Então, à medida que o trabalho avança a gente vai ganhando parceiros e vice-versa. Não posso deixar de destacar a criação da BVS Integralidade em Saúde (Biblioteca Virtual em Saúde), mediante a parceria extraordinária com o ICICT, onde Ilma Noronha, hoje coordenadora das BVS da Fiocruz, promoveu encontros inovadores e revitalizantes no mundo da gestão da informação do conhecimento. Quer dizer, a parceria com o ICICT, tanto na área de formação como na área de comunicação, é um elemento potencializador das nossas ações seja na formação seja na pesquisa e na intervenção. Para finalizar, desde o ano passado, nós começamos a fazer o seminário no formato itinerante, com a experiência de Recife, que foi fantástica (foto do cartaz do XI Seminário do projeto Integralidade). Não é que houve um esgotamento de estar realizando o seminário na UERJ. Sempre fui leal à minha Universidade e continuarei sendo. Mas eu acho que também faz parte do espírito da minha universidade compartilhar o seu crescimento com outras regiões do país. A expectativa é que este ano, no Acre, tudo aconteça da melhor maneira possível, como em todos os demais seminários, com responsabilidade e reconhecimento recíproco de que a solidariedade do conhecimento é uma travessia para uma sociedade mais justa.
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