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Epistemologia da prática: O exemplo na sala de aula

Lilian Koifman fala ao BoletIN sobre o debate “Epistemologia da Prática: é possível produzir uma prática reflexiva do cuidado?”, do VII Seminário do Projeto Integralidade, a ser realizado na próxima semana. A professora adjunta da Universidade Federal Fluminense (UFF) acredita que a prática docente tem, sim, uma grande influência sobre o aluno. “É preciso formar um profissional preparado para a integralidade”.  

Lilian Koifman prepara o artigo-base para a sua participação na mesa “Epistemologia da prática: é possível produzir uma prática reflexiva do cuidado?”, do VII Seminário do Projeto Integralidade. Em parceria com os professores Gilson Saippa de Oliveira e Verônica Fernandes (ambos da Universidade Federal Fluminense / UFF), a pesquisadora do LAPPIS buscou auxílio em referências bibliográficas da área da Educação, para embasar a discussão do papel do docente na Medicina. Obras de autores como Dermeval Saviani, J. Gimeno Sacristán e Isabel Alice Lélis foram consultadas. “A idéia é discutir como a relação professor-aluno pode influenciar, mais tarde, no duo profissional-usuário”, diz a também pedagoga. “A referência do campo da Educação é muito usada nesse sentido, porque tentamos olhar a partir dessa ferramenta, a nossa formação em saúde. O tema está muito voltado para a integralidade. Como podemos “ensinar” a integralidade, inserí-la nos cenários de aprendizagem?”, questiona.
 
Koifman afirma que a sua contribuição para o seminário é oferecer subsídios para reflexão e citar exemplos de como a relação docente-discente não pode ser limitada apenas às práticas técnicas. “Creio que devemos preservar espaços dentro dos currículos de formação para discutir a prática subjetiva. O que o estudante pode pensar e transpor para a prática: ‘se eu fosse um profissional, nessa situação, como me comportaria?’. Os currículos da área de saúde têm como prioridade se preocupar muito com as habilidades técnicas que são adquiridas. Podemos conhecer, por exemplo, cirurgiões ótimos, com uma precisão manual incrível, mas péssimo nas relações interpessoais. Na realidade, ele não é um bom profissional. A preocupação deve ir além do físico. Investigar como o usuário se sente após a intervenção, escutá-lo. Há uma visão de que o médico é “bom” apenas pelo conhecimento técnico. É uma idéia parcial, incompleta”, comenta.
 
A professora acredita também que a sala de aula seja efetivamente um treino se comparado ao que o aluno vai vivenciar na prática. No entanto, em alguns casos a relação com os mestres tem deixado a desejar. “Existem vários relatos de alunos que são oprimidos, sofrem chantagens, pressões…para certos tipos de resultados nas provas, muito quantitativos, e isso acaba refletindo na prática dele mais tarde”. Koifman diz que a metodologia, o cotidiano da sala de aula e os cenários de aprendizagem, que são diversificados, são incorporados pelo aluno de uma forma muito mais sutil, porém marcante, no campo do aprendizado. Mas não existem registros desse dia-a-dia incorporado pelo discente. “Não há como provar que as chantagens e pressões as quais eles (alunos) são submetidos. Só que essas relações, se formos pensar na formação em saúde, são um aprendizado. É claro que o estudante tem a capacidade de discenir também. Quando ele vê um professor (profissional) do qual ele discorda, é um modelo que ele não quer seguir. Mas como temos percebido que um número muito grande de professores, no caso especificamente da formação em Medicina, age de forma autoritária, um tipo de relação muito agressiva com os alunos, e isso pode muitas vezes levar uma pessoa a pensar que as relações de trabalho são assim”, diz. Cita como exemplo um exame de leito na Unidade Básica de Saúde, onde o docente pode não ter o cuidado de perguntar ao paciente se ele aceita a intervenção para mostrar aos alunos. “Há uma fragilidade em jogo do usuário às vezes. Muitos estudantes se revoltam com essa situação. Outros pensam que ‘é assim mesmo’. Às vezes, alguns interferem”. A habilidade manual precisa ser desenvolvida: a técnica como acontece na prática e não como ela foi passada teoricamente. “Mas, por outro lado, isso não é a qualquer preço e em qualquer situação. Quando se encontra professores que não estão nem um pouco preocupados com aquela pessoa que tá mais sensibilizada, se vai querer ou não passar pela situação com os estudantes, isso fica incorporado de alguma forma. Parece estar acima do direito daquele usuário querer ser ou não importunado, questionado ou muitas vezes tocado”.
 
A pesquisadora do LAPPIS também critica a falsa idéia de participação que alguns profissionais criam. “Muitos professores não aceitam uma opinião contrária das suas nas provas, por exemplo, em vez de avaliar a coerência da resposta.  É uma atitude agressiva, não é tão simples de ser visualizado como um serviço de leito. Então, a gente vem estudando o quanto a sala de aula é um exercício de relação, que pode ser também transportado para uma relação profissional-usuário”, afirma Lilian, que participa do Seminário Integralidade desde 2003. “Esse evento propõe um convite à reflexão. A idéia é que consigamos debater mais do que os anos anteriores”.
 
Coordenada por Ruben Mattos (IMS/UERJ), a mesa “Epistemologia da prática: é possível produzir uma prática reflexiva do cuidado?” será composta ainda por José Ricardo Ayres (Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo/USP), Kenneth Rochel Jr. (IMS/UERJ), Maria Elizabeth Barros de Barros (Universidade Federal do Espírito Santo/UFES) e Isabel Brasil (Escola Politécnica Joaquim Venâncio/EPSJV – Fiocruz) e acontece na manhã do dia 29 de novembro.

 

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