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Direito não é negócio. Entrevista com Paulo Henrique de Almeida (cebes)

Saúde militânciaPaulo Henrique Rodrigues, diretor executivo do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), foi entrevistado pela equipe do LAPPIS para falar sobre a universalização do direito à saúde. Ao lado de George E. Machado Kornis, em Maio desse ano, Paulo Henrique escreveu o “Manifesto do Cebes em defesa do direito universal à saúde – saúde é direito e não negócio”, onde apresenta um panorama histórico sobre a validação (ou não) do direito à saúde desde os anos 60 até os dias atuais, pontuando fatos marcantes.  É justamente sobre essa relação de validação e de reconhecimento social que a nossa entrevista vai abordar. Confira:

 

– Fale um pouco da importância de se traçar estratégias de integração entre atenção primária e especializada. 

 

Embora se atribua à atenção primária a possibilidade de resolver a maior parte dos problemas de saúde da população, ela precisa contar com o apoio da atenção especializada assegurada pelos níveis secundário (ambulatorial) e terciário (hospitalar) do sistema, tanto no que diz respeito à realização de consultas, exames e tratamentos especializados, o que exige a integração entre os diferentes níveis de atenção do sistema. Esta integração depende tanto da existência e do funcionamento de alguns pré-requisitos básicos de caráter estrutural, quanto de processos de trabalho e atitudes adequadas por parte dos diversos profissionais envolvidos na atenção. Entre tais pré-requisitos de natureza estrutural é fundamental, em primeiro lugar, a existência de prontuários eletrônicos dos pacientes disponíveis em rede para todos os níveis de atenção do sistema, de forma que todos os profissionais possam ter acesso ao histórico de saúde de todos os usuários em cuja atenção estejam envolvidos, além da informação, os prontuários servem para apoiar a comunicação entre os profissionais, como no caso da redefinição da conduta clínica por um especialista, que servirá de base para os cuidados prestados pelos profissionais da atenção primária. Já que mencionei a comunicação, é fundamental que os profissionais dos diferentes níveis de atenção contem com recursos de comunicação, como telefones e redes de computadores para poderem trocar ideias sobre o cuidado dos seus pacientes, tais recursos fazem parte dos tais pré-requisitos estruturais que mencionei. Outro pré-requisito essencial são sistemas de regulação do acesso a consultas, exames, internações, etc. Passando para os processos de trabalho, eu destacaria a educação permanente e processos de gestão clínica, que envolvem: a elaboração e a revisão periódica de protocolos, discussão em equipe de casos clínicos, a elaboração e a implantação de linhas de cuidado, com a participação dos profissionais dos diferentes níveis de complexidade e sobretudo o trabalho em equipes interprofissionais. Gostaria de chamar a atenção para que o bom funcionamento desses processos de trabalho dependem, em grande parte, do que chamei de pré-requisitos estruturais e que infelizmente sua concepção e implantação ainda estão muito atrasadas no SUS.

 

– O financiamento da saúde deve ser totalmente público? 

 

Defendo que sim, mesmo porque todos os recursos existentes numa sociedade tem origem na sociedade, nas pessoas que são em última instância quem paga tanto os tributos que financiam as ações públicas, quanto as mensalidades dos seguros privados de saúde, a aquisição de medicamentos e insumos em farmácias privadas e as consultas e exames feitos em estabelecimentos privados de saúde para clientes particulares. Ou seja, todos os recursos de qualquer sistema de saúde tem origem na população, em geral, mesmo quando há esquemas de intermediação financeira privada. O problema da intermediação privada é que ela implica muitas vezes – aqui no Brasil na maioria das vezes – a geração de lucros, ou seja a remuneração para os donos das empresas envolvidas. Tais lucros não retornam para a população na forma de cuidados de saúde. Desta forma é preferível que os recursos sejam total, ou no mínimo principalmente públicos, pois, se bem geridos, podem assegurar maior retorno para a população. Outro problema da existência de recursos privados no financiamento da saúde é que eles tendem a favorecer interesses também privados, o que, em geral, se choca com o interesse público.

 

– Quais as medidas que podem ser tomadas para que os recursos na saúde sejam melhor distribuídos?

 

Acho que um dos problemas centrais do financiamento público no Brasil está ligado à forma com que tomou a descentralização da gestão do SUS. Ao tentarmos municipalizar a gestão do SUS, acabamos gerando uma imensa dispersão dos recursos e uma enorme dificuldade para a organização de redes de atenção à saúde regionais. Apenas os recursos federais alimentam a Programação Pactuada e Integrada, que constitui o principal mecanismo de distribuição de recursos, os estados e municípios gastam seus recursos a partir de decisões próprias, que em geral não favorecem a estruturação mais adequada da oferta de serviços por todo o território nacional. Outro elemento que ajudaria muito a melhorar a distribuição dos recursos seria a criação de Autoridades Sanitárias Regionais para cada região de saúde no Brasil, que administrassem todo o orçamento, assim como todos os recursos do SUS nas suas regiões, sendo responsáveis, inclusive, pelos investimentos necessários para que as redes regionais de saúde pudessem implantar de forma gradual os recursos que necessitam. A atual dispersão de recursos entre as três esferas de governo e a limitação dos recursos da PPI aos repasses federais constituem obstáculos para uma melhor distribuição dos recursos e impedem o cumprimento do § 1º do artigo 35 da Lei Orgânica da Saúde (Lei n. 8.080/1990) que determina que “Metade dos recursos destinados a Estados e Municípios será distribuída segundo o quociente de sua divisão pelo número de habitantes (grifos meus)independentemente de qualquer procedimento prévio”.  

 

– Na sua opinião, quais são os grandes desafios que ainda limitam a atuação do SUS, como um Sistema de Saúde Universal?

 

Em primeiro lugar a competição desigual com o setor privado de saúde que conta com enormes incentivos colocados pelo Estado brasileiro, especialmente: o desconto de 100% de todos os gastos das empresas e das pessoas com saúde privada no Imposto de Renda, que equivale a 22% do orçamento do Ministério da Saúde, segundo estudo do IPEA; o financiamento pela União, estados e municípios de planos de saúde privados para seus servidores, que equivale a 5% do orçamento do Ministério da Saúde, segundo estudo da Fiocruz. Em segundo lugar, a ausência de um planejamento efetivo da melhor organização e distribuição da oferta de serviços de saúde do SUS de acordo com a distribuição da população pelo território nacional, o que leva a uma excessiva concentração da oferta de serviços e profissionais nas regiões mais ricas. Em terceiro lugar, o baixo investimento na ampliação da rede pública de saúde, que faz com que o setor privado prestador de serviços para o SUS, ou complementar, a ter um excessivo poder de barganha em relação à contratação dos serviços pelas secretarias municipais e estaduais de saúde, particularmente nas regiões mais distantes e em relação aos serviços de alta complexidade, que são os mais caros. Por último, o financiamento insuficiente da saúde no país. De 2000 a 2011, por exemplo, os gastos em saúde do governo federal tiveram uma queda proporcional de 21% em relação ao conjunto das outras despesas sociais do governo, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional, o que mostra o baixo nível de prioridade dado ao SUS. 

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