A décima segunda edição do Seminário da Integralidade acabou no último dia 17, em Rio Branco (AC), mas a discussão que se estendeu ao longo de uma semana no Hospital das Clínicas do Acre e o clima de partilha ainda repercutem entre os participantes do evento. Na volta para casa, um texto-testemunho, um breve relato, uma quase-crônica enviada ao BoletIN pela pesquisadora Barbara Cabral, exibe os sentidos ético-político-afetivos do XII Seminário. Boa leitura:
Participação no XII Seminário da Integralidade no Acre: dando vazão às reverberações…
Por Bárbara Cabral (foto)*
Instigada por Ana Cláudia, jornalista do Lappis, logo após a minha apresentação, a escrever uma “crônica”, voltei para casa com esse intento e acabei iniciando a escrita desse textinho – que não sei como se classifica – sobre os dias intensos vividos em terras acrianas, por ocasião do XII Seminário do Projeto Integralidade. Ela me pro-vocou, em função do interesse despertado nela pelo que eu disse dos contos da tese e aqui vai…
Foi minha primeira participação no evento, tendo ficado impressionada com a força e riqueza dos debates, em encontros que incluíram usuários, estudantes, profissionais de saúde, gestores, professores/pesquisadores. Não raras vezes tive a sensação de estar em uma conferência de saúde, tamanha a pujança das falas, que revelavam o desejo de que o nosso SUS possa seguir em seu processo de fortalecimento, ali e nos diversos outros cantos do país.
Ainda que a disposição do evento – quiçá pela conformação do próprio auditório em que ocorreu – tenha me parecido, a princípio, um tanto tradicional, em que os componentes de uma mesa falavam para uma “plateia”, essa impressão logo esmaeceu. Nem de longe foi esse o espírito dos participantes – palestrantes e plateia – e isso fez toda a diferença. A garantia dos debates, mesmo quando o tempo avançava, revelou o verdadeiro clima do evento…
Esclareço, pois! A inovação da ágora – um antigo dispositivo grego, a praça pública, em que se davam os encontros e se discutiam os rumos coletivos da pólis – pareceu prevalecer em todos os momentos do Seminário, e não somente naquele assim nomeado: a disponibilidade de todos era para trocas, provocações, afetações, construção de propostas, numa perspectiva firmemente democrática, em que todas as opiniões eram respeitadas, ainda que pudessem divergir. Não havia intenção alguma de calar vozes, mas sim de criar canais para que as pessoas pudessem falar e se posicionar em relação a cada tema proposto. Quem quis, pôde se valer dessa abertura e comunicar suas ideias, fazer questões, comentários, expressar preocupações com os rumos coletivos do SUS, do país, da sociedade, do continente, transformando o evento numa grande e efervescente ágora.
Não seria eu justa se destacasse um debate específico que tenha tido um maior brilho. A proposição das temáticas passeou por aspectos cruciais que merecem ser alvo de reflexão quando se trata de construir práticas integrais em saúde. Obviamente, conforme trajetórias e interesses de cada um, os ouvidos ficavam mais atentos em um ou outro ponto e as bocas expressavam posicionamentos…
De toda sorte, arriscarei fazer um destaque! Particularmente a fala visceral proferida por Paulo Henrique Martins na conferência de abertura, quando estávamos já todos bastante cansados após um dia de intensas reflexões, revigorou meu ânimo… Senti tanta vida e emoção no que foi comunicado que saí saboreando os efeitos do conteúdo da conferência por essa via afetiva, sentindo vontade de abrir os meus olhos e os do mundo para a destinação que estamos construindo. Temos que ter mais cuidado, ficando alerta aos nossos posicionamentos – que por vezes incluem omissão – diante das escolhas políticas feitas. Fiquei com essa ideia martelando na cabeça: cidadania e autoestima não se constroem com estímulo ao consumismo…
Agora já estou em meu sertão, e estou tão cheia de ideias, vontades e energias… Certamente algo se passou em mim naquelas terras do norte, no contato com aquele povo, com a floresta… Encontrei pessoas interessantes do Acre e outras que lá chegaram para o seminário, vindas de tantos diferentes lugares desse país e América Latina. Eu e os meus companheiros do sertão lá estivemos… Além dos papos sérios, foram tantas conversas divertidas no vai-e-vem do hotel para o Auditório do Hospital das Clínicas… tantas aproximações… tantos risos… tantos saberes e dizeres… em diversos sotaques… tanta vida, enfim!
Pelo breve relato – uma quase crônica? – não fica difícil perceber o quanto foi precioso a mim ter tido a chance de participar desse evento, por tantos motivos: intelectuais, afetivos, geográficos, pessoais, profissionais etc. etc. etc. Pelo que sinto de reverberações em mim, tendo buscado expressar um tanto delas nessas breves palavras, recorro a Espinosa para dizer que foi, de fato, um “bom encontro”, porque senti alegria e vibração em ter composto aqueles momentos e percebi isso nas pessoas que partilharam desse privilégio…
Impossível encerrar sem reiterar agradecimentos a todo o grupo do Lppis – em especial os colegas do Acre – que vem trilhando rumos tão generosos e ousados na luta pela defesa do público, num processo de construção de conhecimento com sentido ético-político, porque ancorado nas práticas e no que, a partir delas, mostra-se relevante nessa luta. Gratíssima também a todos os outros companheir@s dessa jornada, que tive a chance de conhecer, além dos textos… Agora sigamos em nossas microjornadas, sabendo-nos conectados com um objetivo: defender o bem-comum em nossas práticas cotidianas…
Barbara Cabral
Sertão do São Francisco, 22.08.2012
* Barbara Cabral é psicóloga, professora da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf) e pesquisadora do Lappis.
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